Do que Hitler teria tanto medo? De um simples livro que narra a história da salvação do povo judeu, condenado ao genocídio, por uma jovem mulher que se fez rainha na poderosa corte de Xerxes. A personagem central é Ester, dela se conhece a origem, os pais, o tutor e todos os detalhes que enriquecem a conhecida história. Nas celebrações onde se comemora o Dia Internacional da Mulher, os atributos de Ester são amplamente enaltecidos e o grande amor demonstrado para com o seu povo, é motivo de inspiração e orgulho para as mulheres, que continuam a dar às filhas nomes das heroínas da Bíblia, onde o nome de Ester figura entre os principais. Mas por trás do palco se revela outra heroína bem diferente. Uma, que raramente é citada ou mesmo lembrada pelos leitores da Bíblia. Vasti, a primeira esposa de Xerxes I.
Diz a narrativa do primeiro capítulo do livro de Ester que o rei, contente por causa do vinho, para não dizer completamente bêbado, mandou que Vasti viesse a sua presença com a coroa real, para que seus amigos a contemplassem em toda a sua beleza. Uma ordem que poderia ser facilmente obedecida por qualquer mulher, quanto mais, pela esposa de um rei, cuja autoridade e domínio se estendiam da Etiópia à índia. Afinal, usar a coroa era coisa própria de uma rainha. O que a tradução do texto não revela explicitamente, é o fato de que Assuero ordenou que Vasti se apresentasse aos seus convidados vestindo apenas e tão somente a coroa real. Se assim não fosse, de que outra forma eles poderiam contemplá-la em toda a sua beleza?
A corajosa recusa de Vasti gerou uma polêmica que atravessa séculos. Deveria a mulher ser submissa ao homem em todas as suas ordens por mais estapafúrdias que fossem? Seria a autoridade de um homem, por mais poderoso que fosse, soberana sobre a integridade da sua mulher? Vasti disse que não, e pagou um alto preço pela sua decisão. Foi destituída do seu trono e legada ao esquecimento, mas sua atitude ecoou em todo reino e se tornou referência por toda a História.
O fundamento de tudo que as mulheres têm pleiteado ao longo dos séculos foi estabelecido por Vasti há, pelo menos 2500 anos. Tanto na história bíblica quanto na secular a atitude de Vasti é única, não encontrando paralelo nem quanto à sua contundência, nem quanto à sua repercussão.
No Dia Internacional da Mulher, quando se enaltece os feitos das grandes heroínas das conquistas dos direitos da mulher, que a pioneira esquecida de todos esses movimentos, a rainha Vasti, seja lembrada. Mesmo que não conheçamos a sua origem nem seu triste destino. Mesmo que não conheçamos o deus a quem ela cultuava. Mesmo que não se tenha os pormenores da sua ascensão ao trono, que seja enaltecida, aquela que, segundo o fidedigno relato bíblico, sustentou, com prejuízo próprio, a posição que o Deus verdadeiro estabeleceu na criação: uma atitude de companheira igualmente digna e ativa contra todas as formas de humilhação e constrangimento, mesmo as que pareçam mais sutis.
(Este texto foi escrito por
mim há pelo menos 30 anos, e já era considerado perdido. Porém, por meio da boa
vontade de uma amiga de juventude, Eliane Gonçalves, ele retornou às minhas
mãos. Obrigado Eliane.)
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